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Alem da Carne

INTRODUÇÃO

 

    Milhares de quadrilhas juninas fazem do interior do nordeste seu lar. Lutando incansavelmente para manter a cultura das festividades de Santo Antônio, São João e São Pedro Vivas. Para isso, tais grupos enfrentam a falta de recursos, os transportes precários, as dívidas, os desgastes emocionais, confeccionam seus próprios figurinos e enfrentam todo tipo de empecilho. O Grupo junino Flor do Caju é uma dessas quadrilhas, levaram em 2019 para os festivais a Luta contra a Xenofobia. Surpreendendo a todos com um trabalho primoroso que lhes conseguiu o título de campeã do circuito cearense de quadrilhas juninas naquele ano. 

 

  O ensaio fotográfico Além da Carne nasce num contexto de retomada das festividades juninas após dois anos de paralisações pela pandemia de Covid-19, neste momento o Grupo conta dentro de quadra a história de Ioiô o bode boêmio que foi eleito vereador de fortaleza em 1922, como forma de protesto pela população, e do entrelace com o campos de concentração do Ceará que aglomeraram retirantes fugindo da seca, naquele mesmo momento histórico, manchando o espírito e a memória dos cearenses para sempre.

 

 O ensaio busca se emaranhar pelo universo das quadrilhas juninas, e se conectar às memórias e lutas dos brincantes, fruto de uma pesquisa feita pelo fotógrafo Felipe de Sousa, que acompanhou a quadrilha junina Flor do caju em sua jornada de altos e baixos. Estando presente desde os ensaios na quadra do colégio Municipal Raimundo Sotero passando pelos dias de êxtase nos festivais até as viagens longas e cansativas. O grupo levou sua arte, Pelo litoral dançando na beira da praia do Iguape, Pro sertão levantando poeira sob a sombra das pedras gigantes de Quixadá, pelo maciço de baturité aos pés da serra abençoada por Santa Luzia, e pela sempre acolhedora periferia de fortaleza onde o público ia da comoção ao delírio com cada virada de saia. O grupo viajou também para levar sua Arte no XVI concurso nacional de quadrilhas juninas em Belo Horizonte, e ao tradicional Nordestão da UNEJ em São Gonçalo do Amarante.

TEXTO DO ARTISTA:

 

  Tamanha é a intensidade da experiência junina que ela confere um ar quase transcendental à festividade. os grupos começam a se preparar cedo. Poucos meses depois do final de um ciclo, Projetistas e coreógrafos já estão com suas pesquisas a todo vapor para o ciclo seguinte. Começar o novo ano com um projeto definido garante a consistência necessária para agradar o público e a crítica. Conheci o grupo lá em 2018 pelos ensaios que aconteciam no ginásio municipal, e que podia ver da casa de minha mãe. naqueles dias já entendia que havia algo único ali diante de mim. Contudo, no meio de uma crise artística não me senti pronto para desenvolver um projeto. Estava a me questionar o valor de tudo que eu fazia, se importava, se seria útil de alguma forma, se eu realmente tinha algo pra falar que valia a pena ser ouvido. Passei aquele ano sem fotografar, e ele guarda até hoje uma gaveta vazia em meus arquivos. Continuei com aqueles dias estranhos e monótonos até que acabei por voltar a fotografar no ano seguinte. Mais sempre com a flor do caju mordendo um cantinho da minha alma. Por obra de uma série de acontecimentos, me encontrei novamente com a Flor em 2020 numa transmissão ao vivo. Aquilo reacendeu a fagulha dentro de mim e naqueles dois anos viria a me dedicar a outros projetos. Finalmente no final de 2021 com a melhora nos indicadores de risco sanitário da pandemia, tomei coragem. Pedi a um amigo o contato de alguém da flor. recebi o número do Alisson que era coreógrafo do grupo. lembro de ter olhado para aquele contato por duas semanas. na mente vinham todas as possibilidades e mais fortemente o medo da recusa. Bom, Obviamente eu estava errado, fui muito bem recebido no primeiro ensaio. embora tremendo como uma vara consegui explicar ao grupo quem eu era e o que desejava fazer. passei então a acompanhar os ensaios semanalmente. Onde pude conhecê-los melhor e entender um pouco da realidade do que é ser um quadrilheiro. Os ensaios acabaram sendo a parte mais fácil, difícil mesmo seriam os festivais tantas vezes que fizemos viagens extensas e cansativas pro vale do jaguaribe ou pros muitos sertões do Ceará. Assim como muitos ali carreguei o peso de estar desempregado e vivendo de incertezas desde o início da pandemia. naquela ocasião foram cinco meses sem conseguir nenhum trabalho. havia momentos nos quais eu simplesmente preferia ir embora e não deixar que me vissem naquela forma destruída, uma sombra de mim mesmo. Quantas vezes me compraram um pratinho de creme de galinha nos festivais e eu aceitei timidamente então chorava escondido. Quantas vezes comemoramos uma apresentação empolgante ou um título muito esperado. lembro muito vivamente do primeiro, em Jaguaribara depois de uma viagem de duzentos quilômetros. Nunca havia fotografado um festival junino então tudo, fora aqueles rostos conhecidos, era muito novo pra mim. Já estávamos na metade do caminho de volta quando recebemos a notícia do título. O posto de combustíveis em que paramos para comemorar pareceu entrar em ebulição com tanta energia. Naquele dia eu também chorei num canto, mas foi de alegria. Assim odiei e amei esse projeto com tudo que havia em mim, chegando a uma conclusão; Estar em cima do tablado é um momento catártico, em que todos os sentimentos gerados em um ano inteiro de expectativa, explodem em um êxtase de paixão. 

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